RECEITAS PARA O FINAL DE ANO
NOTA DO AUTOR
Esse artigo não foi o primeiro que escrevi como psicólogo (psicanálise), mas foi o primeiro texto divulgado no Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira. Lembro-me do dia em que o escrevi, estava em São João Del-Rei na casa de meu amigo Alex. Foi um período cansativo, estava em meio ao processo seletivo para o mestrado, mas algo me movia até essa cidade, o que também me mobilizou a escrever esse texto.
Mais que escrevê-lo, quis também enviá-lo para o jornalista, Marcus Madeira. Sempre admirei o trabalho e a escrita desse jornalista e, hoje, também grande amigo. Acho que o desejo de passar em um processo seletivo tão árduo, me fez querer passar em dois: no mestrado e na avaliação deste grande escritor e jornalista. Final de 2011, mais precisamente, em dezembro, dois novos caminhos seriam iniciados: realizar a pesquisa no mestrado e escrever para o grupo de veículos dirigidos pelo nobre Marcus.
Por isso, meu grande apreso por esse texto, que marca também minha certeza, que não haviam receitas prontas, mas que elas deveriam ser inventadas por um sujeito. Nesse caso, pelo sujeito, o qual vos fala!
Janilton Gabriel de Souza*
Parece-me oportuno falar de receitas neste mês, que uma série delas ganham destaque na mídia, na fala e ação das pessoas. Talvez você estranhe pensar que um psicólogo, atuante com a psicanálise, se dê o trabalho de receitar, mas apresso-me em explicar-lhe de que receita quero tratar.
Antes do fim de ano chegar, vivemos apegados a receitas, quantas donas de casa ou pais de família, já se arriscaram a comprar um livro ou uma revista com dezenas de receitas de comida? Antigamente as mulheres, especialmente, se reuniam e trocavam receitas, como o computador ainda não fazia parte da vida delas, o trabalho de transcrevê-las era manual. Hoje com a internet qualquer um tem acesso a milhares delas.
Todavia para além dessas receitas, saborosas por sinal, existe um enxame de outras que diariamente gritam em nossos ouvidos e saltam aos nossos olhos. Difícil não lembrar dos “horóscopos”, que antes eram cobiçados por boa parte da população nos jornais e revistas. Hoje as rádios e TV, as próprias redes sociais possuem dispositivos que permitem consultá-lo, assim você pode saber do seu “destino diário”: “hoje você está de mal humor… não é um dia bom para fazer alguma coisa por você…”. Você e mais a torcida do flamengo (como diriam um amigo) terão a mesma sorte ou azar, estranho não? Se é sua vida como pode ser igual à de tanta gente?
Pois bem, se você acha que acabou, têm mais receitinhas, que com certeza você já fez, ou conhece quem já utilizou deste receituário: receitas de ano novo. Esse é um prato cheio, tem gente, inclusive, que não querendo perder a chance de fazer uma simpatia (receita) na virada do ano, acaba não aproveitando o gostinho dessa passagem, não conseguem apreciar os fogos que marcam essa transição.
Parece uma obstinação, tantas receitas para se viver ou tentar convencer-nos de como viver, mas nenhuma parece funcionar, sempre falta alguma coisa ou como expressam: “essa receita que não é boa”. Em meio a tantas, fazemos uma pergunta: qual a receita da vida? E aqui nos damos conta que nenhuma pessoa vem ao mundo com manual de instrução do ser humano. Nada que possa dar uma direção. Muitos dirão, que a vida só faz sentido, “se”… palavra interessante, mas esvaziada de conteúdo, apenas indica uma condição, mas não o próprio caminho, abre tanto mais o leque de opções dentre as quais é possível se perder do que efetivamente oferta opções dentre as quais se possa ser feliz. Para complicar vivemos em um mundo globalizado, onde não existem mais algumas respostas padrões e menos ainda referenciais fixos, são múltiplos, não há uma bússola que nos aponte um caminho: o mundo está “desnorteado”. Não, em vão, buscamos tantas receitas, que possam nos indicar o sentido da vida, mas pasmem: a vida não tem sentido algum, a não ser aquele que nós mesmo lhe atribuímos. Sei que é uma afirmação que surpreende, mas acima de tudo, nos convoca como um todo para encontrar não o sentido da vida, algo generalista, mas o nosso próprio sentido de estar nela, uma resposta nossa, única e exclusiva. Penso que a psicanálise (psicologia) é uma aposta na ajuda para se encontrar esse sentido ou até mesmo desinflacionar o sujeito do excesso de sentidos a priori, ou esses sentidos, para que possamos viver a vida e não apenas seguir o modo de preparo como manda a receita.
*Psicólogo clínico atuante a partir da psicanálise, educador e pesquisador da UFSJ. Colaborador do Jornal Folha de Varginha e Blog do Madeira.
Texto originalmente publicado no Jornal Folha de Varginha e também disponível em:
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